Representando marcas estrangeiras no Brasil – quais os cuidados jurídicos básicos necessários?

Representando marcas estrangeiras no Brasil – quais os cuidados jurídicos básicos necessários?

Muitas empresas estrangeiras recorrem a empresas locais quando querem entrar no mercado brasileiro, formando parcerias, contratando distribuidores ou nomeando representantes que disseminarão a marca no Brasil, o que, por outro lado, é uma excelente oportunidade para os empreendedores nacionais expandirem seus horizontes comerciais.

Esse processo, embora promissor, requer uma série de cuidados jurídicos para garantir conformidade com as leis brasileiras, proteger a empresa de riscos legais e assegurar uma operação comercial bem-sucedida.

Vamos explorar alguns desses cuidados, que devem ser precedidos, claro, de uma boa negociação que garanta benefícios para ambas as partes.

 

Conhecendo a legislação aplicável – posso comercializar qualquer produto estrangeiro no Brasil?

Muitos produtos exigem autorizações específicas de órgãos competentes para serem vendidos no Brasil. É o caso, por exemplo, de medicamentos e alimentos. Assim, a depender do produto, o sistema brasileiro classificará a importação nas modalidades:

(i) dispensada de licenciamento,

(ii) sujeita a licenciamento automático ou

(iii) sujeita a licenciamento não automático.

Quando necessária, a requisição de Licença de Importação deve ser feita no Portal Siscomex, do Governo Federal.

Além desse estudo prévio, também é importante contar com o apoio de uma assessoria em comércio exterior para lidar com as normas aduaneiras, assim como assessoria jurídica sobre os tributos envolvidos na operação.

Aqui, vamos tratar especificamente da proteção contratual entre as partes envolvidas, e o cuidado básico com a propriedade intelectual. Nesses pontos, é crucial não só que ambas saibam os direitos e as obrigações aos quais estão se submetendo, como também os direitos de terceiros para evitar infrações que podem resultar em penalidades severas.

 

Contratos mais comuns e algumas regras que não podem faltar

A elaboração de um contrato é uma etapa crítica, mas de absoluta importância para que a relação siga o rumo desejado e os resultados esperados sejam alcançados. Primeiro, deve-se definir qual será o tipo da relação entre a empresa estrangeira e empresa nacional. Esses são os exemplos mais comuns de contratos:

  • Contrato de Distribuição: O distribuidor atua de forma independente, adquirindo produtos para revenda no mercado local. Este contrato deve estabelecer claramente os termos de exclusividade, território, condições de venda, políticas de preço e estoque.
  • Contrato de Agência ou Representação Comercial: A empresa brasileira, nesse caso, atua como agente ou representante da empresa estrangeira, apresentando e vendendo os produtos sem adquiri-los. O representante, geralmente, recebe uma comissão sobre as vendas e não assume riscos diretamente com os estoques.
  • Contrato de Franquia: Assim como as relações de franquia no mercado interno, a franquiada, no caso a empresa brasileira, pode utilizar a marca e comercializar os produtos da empresa estrangeira, devendo seguir o modelo de negócios desta. O contrato de franquia deve abordar aspectos como transferência de know-how, suporte, treinamento, padrões de qualidade e pagamentos de royalties.
  • Contrato de Licenciamento: Nessa relação há uma permissão dada pela estrangeira à empresa brasileira de uso de propriedade intelectual, podendo ser uma marca, uma patente, um desenho industrial, um software ou mesmo know-how. Este contrato deve definir o escopo da licença, exclusividade, limitações geográficas, royalties e duração do acordo.
  • Joint Venture: Caracteriza a formação de uma nova empresa, ou parceria estratégica, em que a empresa estrangeira e a brasileira compartilham recursos, riscos, responsabilidades e lucros. Os contratos de joint venture devem detalhar a contribuição de cada parte, a estrutura de governança, a distribuição de lucros e as condições para o fim da parceria.
  • Contrato de Transferência de Tecnologia: Especificamente voltado para a transferência de tecnologia, conhecimento técnico, fórmulas, processos industriais ou patentes da empresa estrangeira para a nacional. Para segurança jurídica e validade perante terceiros, assim como para permitir a dedutibilidade de pagamento de royalties, quando possível, é necessário registrar esse contrato no INPI.

Ao definir o tipo de contrato já se estará a indicar, de um modo geral, quais serão os direitos e obrigações de cada parte, mas é claro que essas regras, assim como as regras específicas entre as empresas, devem estar bem definidas para que o negócio seja explorado de forma adequada.

Ainda, é altamente recomendável que a empresa brasileira se atente às leis de responsabilidade civil, especialmente em relação à segurança e à qualidade dos produtos comercializados por aqui. Em casos de defeitos ou problemas que resultem em danos a consumidores, por exemplo, a empresa pode ser responsabilizada. Por isso, é importante ter um plano de ação para recalls de produtos, seguindo as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor.

As questões da exclusividade e da territorialidade também são cruciais em qualquer daquelas espécies de contrato. A empresa brasileira poderá vender produtos concorrentes aos da empresa estrangeira? Esta, por sua vez, poderá usar outras empresas para explorar o mercado brasileiro? Quais territórios a empresa nacional pode explorar?

Os pagamentos, distribuição dos resultados, remessa de royalties, também são questões que devem ser abordadas em negociação para constar no contrato a ser assinado.

Propriedade intelectual – o registro de marcas, patentes, direitos autorais

Já puderam notar, na descrição breve de cada espécie de contrato, que a proteção da propriedade intelectual é vital no comércio internacional. Sim, a empresa brasileira deve garantir que a marca ou o produto estrangeiro estejam devidamente registrados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) no Brasil.

Isso não apenas protege os direitos do fabricante estrangeiro, como também assegura que a empresa brasileira não enfrentará litígios por infração de propriedade intelectual de terceiros.

É preciso lembrar que a propriedade intelectual tem validade local, ou seja, apenas no país em que está registrada. Isso significa que a titularidade e a exclusividade na exploração serão garantidas apenas àquele que fizer o registro no país em que pretende comercializar seus produtos ou serviços. Assim, por exemplo, não é suficiente ter a marca registrada na Itália para comercializar produtos no Brasil, esse registro também deve seja feito aqui no INPI.

Quem deve fazer o registro? Em nome de quem? Isso deverá ser definido entre as partes, mas geralmente a propriedade intelectual é registrada em nome da própria empresa estrangeira, nesse contexto que estamos trazendo aqui. A empresa brasileira, em qualquer espécie contratual, terá o direito de usar a marca, com as peculiaridades e diretrizes previamente definidas, mas a titularidade fica com a empresa que a criou.

Dessa forma, é recomendável que isso seja questionado da empresa que quer entrar no mercado nacional e, em hipótese alguma, a empresa brasileira deve iniciar, à revelia daquela, um processo de registro de uma marca, patente, software etc. de um ativo que não é seu.

Atualmente, a maioria dos países possuem sistemas interligados entre si para permitir que esses registros sejam feitos de forma rápida e menos burocrática, e o Brasil é signatário dos tratados internacionais necessários que garantem essa facilidade.

 

Conclusão

Seja qual for a modalidade de contrato, representar produtos estrangeiros no Brasil é uma empreitada que oferece grandes oportunidades, mas exige diligência e conformidade com uma série de normas legais.

As empresas brasileiras devem se munir de conhecimento e assessoria jurídica qualificada para navegar com sucesso neste campo, evitando riscos e maximizando o potencial de seus empreendimentos comerciais internacionais.

 

 

Este artigo foi produzido por Marina Flandoli, Networker Nata – Março, da Rne, e sócia do escritório Law.SA

Linkedin: https://www.linkedin.com/in/marina-augusto-flandoli/

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